Criança precisa de escola?

Joyce Rosset* Se a criança […]

30 de setembro de 2019

Joyce Rosset*

Se a criança aprende quando brinca, por que ela precisa da escola? Não há respostas únicas. Existem muitas razões para que a instituição escolar, tão antiga e, ao mesmo tempo, polêmica e remodelada, persista na busca de contribuir com a educação das crianças.

O filósofo, médico e psicólogo francês Henri Wallon (1879-1962) nos alertava que, para desenvolver as crianças, é preciso alimentá-las com comida e com relações. É no âmbito das relações que se encontra a educação – a de casa e a da escola. Educar começa no toque, na pele, mergulha na brincadeira, nas linguagens e no pensamento e não para mais. É coisa de gente para gente. E se constrói em ambientes que apoiam as aprendizagens das crianças.

Pensar em aprendizagem faz pensar sobre cognição – a capacidade de adquirir
conhecimentos.
Fora do ambiente escolar, a criança dispõe de muitas oportunidades para brincar e aprender. No quarto, no parque, nos encontros com amigos e familiares, a criança exercita a linguagem peculiar da infância. Primeiro, explora os espaços e os materiais e, aos poucos, percebe, reproduz e recria as situações em que vive.

Na escola, a criança também brinca. Porém esse brincar se diversifica. A criança constrói outros brincares com seus colegas, aprendendo novas possibilidades. Mas são a presença e o olhar intencional do professor que potencializam as brincadeiras e as aprendizagens conquistadas.

No exercício profissional da pedagogia, o professor propõe novos desafios a partir da escuta dos interesses e das necessidades das crianças. Uma intensa pesquisa para formular perguntas provocadoras, sugerir problemas, introduzir novos materiais e espaços alternativos, garantindo que o ambiente pedagógico seja palco de brincares cada vez mais complexos, investigativos e disparadores de aprendizagens.

E há ainda o tempero que dá sabor à existência humana: as relações. É na família que as crianças começam a experimentar os papéis sociais e, paralelamente, a identificar seus próprios papéis. No meio desse conjunto dinâmico de forças, a criança experimenta seu lugar no mundo.

Aí, cresce um pouquinho, vai para a escola e encontra pessoas diferentes e outras dinâmicas sociais. Um impacto que provoca emoções e novas buscas identitárias: “Como vou me inserir nesse lugar?”, “Qual é o meu papel?”, “O que esperam de mim?”, “O que represento?”, “O que quero representar?”.

E, assim, aos poucos, a criança descobre seus desejos, seus modos de ser e existir e constrói sua identidade no novo grupo. Ocupa um lugar num mundo expandido, que não depende exclusivamente da família. A vida fica mais complexa e, ao mesmo tempo, enriquecedora.

Até aqui pensamos nos aspectos cognitivos e relacionais que envolvem o brincar na escola. O que tem mais além disso?

A cultura ou as culturas. A família, berço das heranças genética e cultural, constitui as raízes da criança. As histórias, os costumes, as crenças, a arte e os símbolos marcam e agregam características ao ser humano. Os causos de família, as canções, os objetos, as celebrações, as manifestações artísticas e as delícias da culinária, por mais simples que sejam, desenham a história das nossas vidas.

Ao desembarcar na escola, cada criança traz consigo um patrimônio cultural constituinte que invariavelmente dialogará com o patrimônio das outras crianças e da comunidade à qual a escola pertence. Um caldo cultural formado pelas raízes familiares individuais, que se ampliam com novos conhecimentos, expressões e a vivência de valores.

Assim, brincar em casa é diferente de brincar na escola. Ambas as situações são imprescindíveis. Numa época em que competência e desempenho se constituem em riqueza pessoal, casa e escola são meios coadjuvantes na formação da criança. Trabalhos que se complementam e que, por isso, devem caminhar juntos, se relacionar e dialogar.

Pergunto, então, para as famílias: O que a escola conhece sobre sua família? E sobre sua cultura? Quais espaços de diálogo são disponibilizados? Quais celebrações e eventos culturais são promovidos? Você se sente incluído? Você considera importante contribuir cultural e/ou artisticamente com a escola? Você se interessa em conhecer e aprender sobre o que é trabalhado com seu(sua) filho(a)? Acompanha os registros e a documentação que expressam os percursos da turma? Valoriza e examina os relatórios e portfólios da criança?

E pergunto também para as escolas: O que os pais conhecem a respeito do trabalho realizado? Existem momentos para explicar percursos e processos de aprendizagem das crianças? São sistematicamente exibidos registros e documentação pedagógica dos percursos de aprendizagem e desenvolvimento das turmas? A escola conhece, valoriza e inclui a cultura das famílias no dia a dia com as crianças? A escola conhece, valoriza e inclui a cultura da comunidade em que está inserida?

Educação, família e escola constituem dois lados diferentes de uma mesma moeda e carregam um desafio comum: complementarem-se para criar uma rede inclusiva, diversificada e afetuosa de relações e conhecimentos em torno das crianças.

*Mestranda em Formação de Formadores na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bióloga formada pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Cognição e Sociocultura – Educação para Valores Humanos pela Universidade Gama Filho (UGF). Formadora de professores da Educação Infantil e autora do blog Tempo de Creche. É consultora de implantação e gestão de projetos sociais em instituições do terceiro setor voltadas para educação, humanização na saúde, inclusão no mundo do trabalho, empoderamento e geração de renda.