Educar o cidadão contemporâneo

Fátima Pacheco* O conhecimento científico […]

5 de setembro de 2019

Fátima Pacheco*

O conhecimento científico e tecnológico avançou de forma exponencial no final do século XX, e o ritmo, nestes últimos anos, mantém-se tão intenso que provoca um sentimento de indefinição e insegurança sobre o futuro que vislumbramos para nossos filhos e netos. Será que eles estarão preparados para o mundo que está por vir? Os conteúdos da nossa atual escola serão suficientes para o sucesso pessoal e profissional deles? As habilidades que vêm sendo desenvolvidas são suficientes para resolver as situações-problema que eles encontrarão em profissões do futuro que nem imaginamos ainda? Afinal, o que temos para oferecer às novas gerações?

São cada vez maiores os desafios à educação. A era da internet globalizou a informação. Ela não está mais fechada entre os muros da escola. Pelo contrário, a escola tenta a todo custo restringi-la por meio de uma estrutura que já mostrou ser incapaz de controlá-la. Urge trabalhar no sentido de ressignificar o papel da escola, o papel dos professores, dos gestores, dos alunos e da família.

Pois me parece ainda mais urgente transformar os alunos, ou olhá-los como agentes de aprendizagem e mudança em oposição à imagem de seres passivos, alienados por uma educação familiar que vê como primordial o alcance da felicidade, seja qual for o conceito que esse termo lhes traz.

Hoje, aprender não deve estar restrito ao espaço escolar. Todo lugar é espaço de aprendizagem: a rua, o bairro, as instituições sociais (igreja, comércio, indústria), as bibliotecas públicas, as cooperativas. No entanto, enquanto instituição, a escola é um espaço-tempo que permite relacionar questões ligadas à identidade e segurança, sustentabilidade, interculturalidade, inovação e criatividade, temas que estão no cerne dos atuais debates.

Apesar de a escola não ser mais o espaço exclusivo da (in)formação, é nela que crianças e adolescentes têm ao seu dispor pessoas qualificadas para mediar suas conexões mentais entre o que recebem como informação – seja ela relevante, supérflua, falsa ou manipulada – e o que transformam em conhecimento. Favorável à aprendizagem e ao desenvolvimento de competências, o ambiente escolar transforma-se num espaço onde os alunos mobilizam múltiplas linguagens. É na escola que são desenvolvidos valores e competências que lhes permitem intervir na vida e na história da sociedade, além de aprender a tomar decisões fundamentadas e livres sobre questões sociais, naturais e éticas.

Após uma Educação Infantil voltada para a descoberta, para a compreensão de que todas as ações que a criança desenvolve permitem a ela transformar-se em agente da sua aprendizagem, torna-se praticamente impossível não avançar para um Ensino Fundamental que fortaleça e reforce os valores, as habilidades e as competências apresentados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Num primeiro momento, a ação pedagógica imprime a necessidade de trabalhar a habilidade relacionada a saber ouvir, falar, ler e escrever. Num mundo em que nos relacionamos pela linguagem, imerso em códigos e símbolos que nos fazem humanos, é imprescindível que a criança domine a simbologia que lhe permitirá não apenas adquirir conhecimentos linguísticos, mas, também, perpetuar valores que determinam sua interação com outros indivíduos e com o meio ambiente.

Neste contexto, a aprendizagem somente se efetiva quando o aluno consegue imprimir significado à informação que recebe. Aprender não se restringe a acumular informações e reproduzir técnicas e fórmulas. A aprendizagem acontece ao modificar velhas ideias, que apelidamos de conhecimentos prévios (sejam familiares, de experiências de vida, de culturas, de étnicas), e refletir sobre o que recebemos de novo e que nos transforma.

Partindo desse pressuposto, a aprendizagem só acontece se decorrer do contexto da vivência. É o que chamamos de trabalho de mão na massa: situações de desafio (quanto mais estimuladas e desafiadas, melhores são as respostas que as crianças encontram para duas dúvidas), situações de compromisso (para que saiam da situação passiva de aluno e assumam o seu ofício de estudantes) e situações em que são estabelecidas metas pessoais e grupais (para que se corresponsabilizem por atitudes que geram consequências).

Os adultos têm a necessidade de ajudar, explicar e encurtar caminhos e, por vezes, esquecem que as palavras que usam são fruto e reflexo de um percurso de vida que já temos e as crianças ainda deverão construir esse repertório gradativamente. O investimento intelectual e emocional de cada um terá de ser feito. As atividades interpessoais, sejam por meio de assembleias de turma ou de agrupamento, possibilitam construir um corpo de pertencimento e um coletivo, onde as crianças sintam-se escutadas, desenvolvem atitudes de responsabilidade, solidariedade e autonomia e que permitem, de algum modo, transformar os conteúdos curriculares em aprendizagens significativas.

Recorrer às Metodologias ativas  (Ensino Híbrido, Aprendizagem Baseada em Projetos, Método Investigativo, Sala de Aula Invertida, Aprendizagem Baseada em Jogos, entre outras) só terá sentido se houver a compreensão de que todos somos aprendentes e, como tal, deveremos estar abertos para uma aprendizagem que se efetua na relação consigo e com o outro. De acordo com Paulo Freire: “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

Na primeira etapa do Ensino Fundamental (1º ao 5º anos), é preciso que as crianças tenham acesso a recursos que lhes permitam aprender a aprender. Também é importante que:

  • Os materiais e as ferramentas disponibilizados permitam aos alunos ampliar seus
    horizontes.
  • Que os alunos tenham a seu dispor a literatura local, nacional e universal que os
    faz viajar dentro das suas mentes.
  • Que os textos informativos lhes permitam compreender um mundo tão paradoxal quanto
    complexo.
  • Que integrem em seus corpos e mentes os conceitos que irão aprofundar ao longo das
    suas existências.
  • Que não se fechem em paredes e muros que provoquem obscurantismo.
  • Que estejam sempre abertos ao novo, à novidade e ao imprevisto.
  • E que tenham à sua disposição os adultos qualificados e de referência que “orientem”
    o seu caminhar.

Referências bibliográficas

GARDNER, H. Cinco mentes para o futuro. Porto Alegre:
Artmed, 2007, p. 21

NÓVOA,
António. Pedagogia: a terceira margem do
rio
. Disponível em:  <http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/pedagogianovoa.pdf>.
Acesso em: set. 2018.

*Licenciada em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCE-UP), com certificação em Consultoria de Programas de Gestão Escolar de Qualidade pela Fundação L’Hermitage. Participou do desenvolvimento do projeto Fazer a Ponte, na Escola da Ponte, em Portugal; e organizou diversos livros que surgiram de cursos realizados on-line pela empresa Aquifolium Educacional. Atualmente presta assessoria educacional em diversas escolas.