Sobre escolas privadas e futuro: o que temos e o que queremos

Mirela Ramacciotti* Vou falar de […]

22 de julho de 2019

Mirela Ramacciotti*

Vou falar de uma coisa difícil: o lugar que as escolas ocupam em nossas vidas. O que deveria ser motivo de celebração e contentamento, lócus de boas recordações e gratidão, é hoje o que tem dado muita dor de cabeça, seja para quem a faz, seja para quem a frequenta, seja para quem a sustenta. Afinal, que escola está formando nossos filhos? O que os alunos estão aprendendo? Que cidadãos a sociedade a que pertencemos terá? Como essas escolas respondem ao que nem sabemos que virá? Tarefa árdua e que tem ficado a cada dia mais polarizada. Vamos a alguns porquês.

Hoje vejo as escolas privadas em polos, e infelizmente não me refiro aos da Geografia… As escolas estão se agrupando sob rótulos que viraram identificação comercial. Existem as bilíngues e as internacionais, as construtivistas e as tradicionais, as laicas e as religiosas. Temos também as waldorfianas e as montessorianas, para não falar das que seguem uma abordagem específica, como Reggio Emilia. Há também as que oferecem um combo: leve uma escola construtivista, piagetiana e bilíngue, mas pague apenas uma! Haja entendimento para tanta diversificação. Ser família hoje não está fácil, não… E o professor tem que trabalhar um montão para dar conta de tanta requisição!

Mas às famílias, digo com muita franqueza: em tempos de fartura na oferta, a demanda deve ser mais criteriosa. Ao escolher uma escola, faça o seu trabalho de casa: pesquise, investigue, pergunte. Faça uma ou várias visitas, imagine sua criança naquele local, converse com outras famílias para verificar se há alinhamento de princípios e valores e se aquele ambiente é o melhor para oferecer aos seus filhos. Pense que a parceria que você está prestes a firmar com uma escola não é uma mera transação comercial. É o início de uma profunda relação de respeito, confiança e colaboração. Respeito demanda conhecimento, e colaboração requer confiança. Isso dinheiro nenhum paga ou produz. Tem de ser cultivado, construído e alimentado. E essas coisas fazem parte do pacote: ser família não é apenas custear, é preciso participar!

E aos membros da escola, digo com igual sinceridade: quem não pode com mandinga, que não carregue o patuá. Trabalhar com Educação hoje é um desafio dos mais difíceis, que precisa ser então encarado com seriedade, constância e tolerância. Exige rigor para dizer os nãos necessários e paciência para conquistar os louros de aprendizagens de impacto. É necessário dialogar com mais parceiros, como psicólogos, terapeutas e médicos. É preciso trazer a família para dentro da escola e construir uma comunicação pautada em evidências, informações objetivas e de qualidade. A era do achismo já se findou.

Caso a escola se identifique como de determinada corrente de pensamento ou se paute por uma teoria de aprendizagem, sua atuação – ou a forma como conduz a aprendizagem – deve ser clara tanto para os alunos como para os professores. A coesão deve nortear sua atuação, e a coerência deve ser entre ideias e fazeres. A comunicação é uma das tarefas que a escola precisa desenvolver com maior profundidade, pois confiança não é um direito, e sim um presente: ela precisa ser merecida.

O futuro a Deus pertence, já dizia o velho ditado. Mas nossa sociedade tem exigido que a escola escreva o script. Aí é realmente mexer em vespeiro: se Deus tem mantido o futuro em segredo, o que podemos fazer nós, meros mortais?!? Então, em vez de falarmos tanto no futuro, sugiro que essa discussão seja trazida para o presente, pois há demandas demais que não estão sendo respondidas.

Precisamos deixar de falar em competências do futuro para desenvolver na prática os valores que devem pautar este século. Precisamos, sim, abordar conteúdos acadêmicos com o desenvolvimento paralelo de valores morais e competências sociais. Esse trabalho, aliás, sempre acompanhou aqueles que consideram a Educação como um princípio básico de nossa existência como sociedade. Isso não se modificou e nem será modificado. Abranger diversidades, entender que somos e temos diferenças é o ponto inicial para o cultivo da empatia. Valores e competências podem ser hoje desenvolvidos com uma infinidade de recursos. É hora de arregaçar as mangas e colocar intencionalidade para conquistar com seriedade.

Processos de alta ordem como atenção, memória e aprendizagem necessitam de aprofundamento. Isso é incompatível com a presença de distratores: celular tem hora, maneira e lugar. Escola é lugar de desafios. Isso significa que, por vezes, aprender pode trazer um desconforto e certa confusão. Nesses momentos é necessário persistir e prosseguir. Quem quer diversão sem fim, pode eleger a ignorância por parceiro. Afinal, não há como se enganar: aprender requer dedicação e postergação de recompensas. Não é só dando likes e dividindo stories que chegaremos lá. Isso precisa ser compartilhado e praticado por todos que querem uma educação e um futuro. E tenho dito! (Ufa!! Avisei que não seria fácil…).

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