Metodologias ativas
Julci Rocha* Um homem viaja […]
15 de maio de 2019Julci Rocha* Um homem viaja […]
15 de maio de 2019Julci Rocha*
Um homem viaja no tempo duzentos anos e chega em uma grande cidade. Ao olhar ao redor, toma um susto, pois tudo está muito diferente: suas roupas, a arquitetura dos prédios e ruas, os meios de transporte e comunicação… Ele não tem dúvida de que está no futuro. Assustado, corre em meio aos carros e procura um local para se proteger e digerir tudo o que está acontecendo. Ele vê um prédio grande, com algumas grades, pintado em tons pastel. Sem hesitar, entra pela porta e passa pelos corredores. Quando decide olhar para as salas, percebe algo familiar: carteiras enfileiradas, crianças sentadas, um quadro de escrita e um adulto em pé, falando para as crianças. Aliviado, ele grita: “Ufa, finalmente um lugar familiar: cheguei a uma escola!”.
Guardadas as devidas proporções, essa anedota tem um fundo de verdade que, de certa forma, tem servido de alerta para todos nós, profissionais da educação. Com tantas mudanças ocorridas nas últimas décadas, como podemos considerar que a escola de trinta anos atrás ainda seja capaz de dar conta da formação das crianças e dos jovens dos dias de hoje?
Marc Prensky, pesquisador norte-americano que vem se debruçando sobre essa questão ao longo das últimas décadas, esteve no Brasil em 2017 e levantou essa questão. Para ele, a primeira coisa que devemos nos perguntar é: afinal, para que serve a educação?
As pesquisas apontam que a educação serve para aumentar a prosperidade econômica e social dos países, evidenciando que aqueles com maior desenvolvimento econômico têm algo em comum: o investimento em educação. Theodore Schultz (1902-1998), economista e vencedor do Nobel em 1979, foi um dos pesquisadores que se dedicaram a essa questão. Bons índices econômicos não necessariamente são sinônimo de ausência de problemas. Quando olhamos a conjuntura global, identificamos diversos desafios que as gerações que vivem neste século precisam enfrentar sob o risco de colocarmos a vida no planeta em risco: mudanças climáticas, altos fluxos migratórios, choques culturais, terrorismo e impactos da tecnologia em nossas vidas são apenas alguns deles.
Por isso, Prensky considera que a educação tem uma missão muito importante: tornar o mundo um lugar melhor. Portanto, é fundamental nos perguntarmos como podemos repensar a educação de forma a empoderar as crianças com competências adequadas para o amanhã.
Voltando à anedota, qual educação é retratada no modelo cristalizado que temos desenvolvido ao longo dos últimos duzentos anos?
Uma escola baseada, acima de tudo, na transmissão de informações. O professor transmite o conteúdo, e o estudante o recebe. Historicamente, a escola sempre foi um lugar privilegiado de acesso às informações, junto com os livros. Mas, ao longo do tempo, esse modelo passa a ser questionado, e sua insuficiência fica mais evidente com o advento da internet e a democratização do acesso à informação.
A insuficiência desse modelo se reflete também na qualidade dos profissionais que chegam ao mercado de trabalho e na insatisfação dos próprios estudantes. Pesquisas realizadas com jovens, como a Pesquisa Projeto de Vida, da Fundação Lemann, e Nossa Escola em (Re)construção, do Porvir, apontam os problemas identificados na escola pelos estudantes. Os jovens querem ser ouvidos e participar das decisões da escola, relatam dificuldade em aplicar seus aprendizados quando confrontados com diversas situações do cotidiano e desejam mais atividades práticas na escola.
Como são nossas crianças do presente? Segundo Marc Prensky, além de muito mais conectadas com os avanços tecnológicos do que muitos de nós, elas são muito mais autoconfiantes do que nós. Essa geração, que está o tempo todo em rede, tem a possibilidade de colaborar muito mais do que tivemos no passado, de diferentes formas e cada vez melhor. Diante de tudo o que sinalizamos até aqui, o que vemos é uma escola que, muitas das vezes, subutiliza o potencial criativo e crítico dos estudantes.
Para que a educação se transforme, não basta transformar o que ensinamos, mas como ensinamos. Chamamos de Metodologias ativas um conjunto de práticas pedagógicas ancoradas numa nova educação e mais conectadas com as necessidades do século XXI. Como o nome já nos sinaliza, as Metodologias ativas se opõem às metodologias presentes no modelo educacional vigente em grande parte das escolas ao redor do mundo, onde há pouca participação do estudante na construção do conhecimento.
Diante dessa realidade, as instituições de ensino têm buscado revisitar seus currículos e práticas pedagógicas. Apesar do esforço e engajamento de muitos professores e outros profissionais da educação, a mudança de um modelo tão cristalizado não acontece da noite para o dia.
Ainda que toda metodologia seja ativa, em certa medida, pois exige tanto do professor quanto do estudante algum nível de presença cognitiva, as metodologias ditas ativas são aquelas em que o protagonismo do estudante fica mais evidente ao longo de todo o processo. O papel do professor também se altera, deixando de ser o centro do processo educativo e atuando como um mediador do conhecimento e designer de experiências de aprendizagem.
Além de professor e estudante, os espaços educacionais são redesenhados para atender melhor às novas demandas. Das carteiras enfileiradas, passamos para salas multifuncionais, mobiliários flexíveis e com presença cada vez maior das tecnologias digitais.
Talvez a maior e mais importante consequência de todas essas mudanças fomentadas pelas Metodologias ativas seja a própria finalidade dos processos educacionais. O principal objetivo da aprendizagem deixa de ser o domínio de conceitos e passa a ser o desenvolvimento de competências e habilidades. Dessa forma, estamos preocupados não somente com o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, mas também com seu desenvolvimento social, emocional e cultural.
Por isso, consideramos que as Metodologias ativas respondem de forma mais adequada às necessidades do século XXI, pois não só preparam melhor os estudantes para o mercado produtivo, mas, acima de tudo, os preparam para buscar soluções para os problemas contemporâneos. Novos problemas exigem novas soluções, que só serão alcançadas com pessoas criativas, que saibam comunicar e colaborar, que pensam criticamente e são solidárias.
Consideramos Metodologia ativa qualquer prática pedagógica centrada na participação do estudante na construção do conhecimento. Nesse sentido, acreditamos que um estudante está construindo conhecimento quando alguns desses componentes estão presentes:
Embora não sejam uma condição para que as Metodologias ativas se concretizem, as tecnologias digitais possuem um papel muito significativo nesse processo. Elas potencializam o desenvolvimento das competências e habilidades, além de fazerem parte de uma linguagem muito própria do nosso tempo. As tecnologias promovem novas formas de aprender e ensinar, permitem conhecer e conectar-se com outras realidades, exercitar nossa colaboração e construção de conhecimento em conjunto com nossos colegas dentro e fora da sala de aula, além de permitirem que nossas experiências, valores e feitos sejam socializados com uma audiência muito maior do que a escola.
Selecionamos alguns exemplos de Metodologias ativas desenvolvidas por escolas ao redor do mundo e que evidenciam a articulação desses diferentes aspectos:
Considerando o desafio que envolve inovar em um ambiente tão complexo como é a educação, é de grande importância o engajamento das famílias e responsáveis ao longo de todo o processo, valorizando experiências que considerem o estudante o maior protagonista de sua aprendizagem. Como diz a famosa frase atribuída a Einstein, “insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Por isso, professores e instituições de ensino que ousam fazer diferente devem ser apoiados a continuar na busca constante por uma educação que faça sentido para crianças, jovens e para o mundo em que vivemos.
*Licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-graduada em Gestão Educacional pela FMU, Design Educacional pela UFJF e Educação Inovadora pelo Instituto Singularidades. Pesquisadora da área de inovações em educação, cultura digital, metodologias ativas, ensino híbrido, design e cultura maker. É membro da Rede de Inovação para a Educação Brasileira (IEB), gerenciada pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb). É também professora de pós-graduação do Instituto Singularidades e diretora-fundadora da Redesenho Educacional.